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Primeiro Capítulo: O Homem Invisível

Primeiro Capítulo: O Homem Invisível

Capítulo

1
A CHEGADA DO ESTRANHO


O Homem Invisível Texto Integral
190 páginas

ISBN:


Preço: R$ 5,05

O estranho chegou no início de fevereiro, em um dia gélido, arrostando o vento cortante e a neve que não cessava de cair, a última nevada do ano. Caminhava pela colina, vindo, ao que parecia, da estação da estrada de ferro de Bramblehurst e segurava uma pequena valise negra na mão calçada com uma luva grossa. Estava agasalhado da cabeça aos pés e a aba do chapéu de feltro macio ocultava-lhe cada centímetro do rosto, exceto a ponta brilhante do nariz; a neve tinha se acumulado em seus ombros e peito, acrescentando uma orla branca ao peso que carregava. Cambaleando, entrou na "Coach and Horses", aparentemente mais morto do que vivo e deixou cair a maleta. — Fogo — implorou — por caridade! Um quarto e fogo! — Batendo com os pés no chão, sacudiu a neve no bar e seguiu a sra. Hall até a sala de visitas, para falar de negócios. E, com aquela preliminar e mais a concordância imediata quanto às condições, além de um par de soberanos jogados sobre a mesa, tomou aposentos na estalagem.

A sra. Hall acendeu o fogo e deixou-o lá, saindo a fim de preparar-lhe, ela mesma, uma refeição. Um hóspede que vinha a Iping no inverno já era uma sorte extraordinária, ainda mais um hóspede que não barganhava, e estava disposta a mostrar-se digna de tal felicidade. Logo que o bacon começou a fritar e Millie, a apática empregada, espertou um pouco, graças a algumas expressões bem escolhidas de desdém, levou a toalha, pratos e copos para a sala e começou a arrumá-los com o maior éclat. Embora o fogo estivesse ardendo vivamente, ficou surpresa ao ver que o visitante ainda estava de chapéu e casaco, de pé, dando-lhe as costas e contemplando, através da janela, a neve que caía no pátio. Suas mãos enluvadas entrelaçavam-se atrás e parecia absorto em pensamentos. Observou que a neve derretida que ainda lhe salpicava os ombros estava pingando no tapete. — Posso pegar seu chapéu e casaco, senhor — disse —, e secá-los bem na cozinha?

— Não — respondeu ele, sem se voltar.

Sem muita certeza de tê-lo ouvido, estava prestes a repetir a pergunta.

Então ele virou a cabeça e olhou-a por cima do ombro. — Prefiro continuar assim — disse, enfaticamente, e ela notou que usava grandes óculos escuros com protetores laterais, e que bastas suíças sobre a gola do casaco escondiam-lhe completamente o rosto.

— Muito bem, senhor — replicou. — Como quiser. Daqui a pouco a sala estará mais quente.

O estranho não respondeu e desviou novamente o rosto; e a sra. Hall, percebendo que suas tentativas de conversa eram inoportunas, acabou de pôr a mesa com movimentos bruscos e rápidos e apressou-se a sair da sala. Quando voltou, ele ainda estava de pé no mesmo lugar, como um homem de pedra, as costas encurvadas, a gola voltada para cima e a aba gotejante do chapéu virada para baixo, ocultando-lhe por completo o rosto e as orelhas. Pousou o prato de ovos e bacon sobre a mesa com um alarido considerável e elevou a voz, em vez de falar com naturalidade. — Seu almoço está servido, senhor.

— Obrigado — retrucou ele de pronto e não se moveu até que ela fechasse a porta. Só então deu meia-volta e aproximou-se da mesa.

Quando a sra. Hall passou por trás do bar, para ir até a cozinha, ouviu um som que se repetia a intervalos regulares. Crique, crique, crique, continuava, o som de uma colher mexida rapidamente em círculos, dentro de uma vasilha. — Aquela garota! — exclamou. — Vejam só! Esqueci-me completamente da mostarda. É a moleza dela! — E, enquanto acabava de bater a mostarda pessoalmente, deu algumas alfinetadas verbais em Millie, por sua excessiva lerdeza. Tinha cozido o presunto e os ovos, posto a mesa e tudo o mais, enquanto Millie (que ajudante!) nem conseguira aprontar a mostarda. E ele, um novo hóspede, querendo ficar! Encheu o pote de mostarda e colocando-o, com certa solenidade em uma bandeja de chá dourada e preta, levou-o até a sala.

Bateu e entrou em seguida. Ao fazê-lo, o hóspede moveu-se rapidamente, de tal forma que apenas conseguiu ver, de relance, um objeto branco desaparecendo por baixo da mesa. Parecia que ele estava apanhando alguma coisa do chão. Com um ruído seco, pôs o pote de mostarda sobre a mesa e, então, notou que o sobretudo e o chapéu tinham sido tirados e colocados em uma cadeira diante do fogo. Um par de botas molhadas ameaçava enferrujar o guarda-fogo de aço da lareira. Resolutamente, dirigiu-se para as peças de vestuário. — Acho que agora posso levá-las para secar — disse, em um tom que não admitia contestação.

— Deixe o chapéu — disse o hóspede em voz abafada e ela, voltando-se, viu que tinha erguido a cabeça e estava sentado, observando-a.

Por um momento ficou imóvel, olhando-o, de boca aberta, demasiado surpresa para falar.

Segurava um pano branco — um guardanapo que trouxera — diante da porção inferior do rosto, de forma a encobrir a boca e maxilares, o que explicava a voz surda. Mas não fora isso o que espantara a sra. Hall, e sim o fato de que toda a testa, acima dos óculos azuis, estava envolta em uma atadura branca, e outra lhe encobria as orelhas, sem deixar nem um pedaço de rosto à mostra, a não ser o nariz rosado e pontiagudo. Este era de um rosa claro e brilhante, exatamente como parecera desde o princípio. Vestia um paletó de veludo castanho-escuro, com uma gola alta forrada de linho preto virada para cima, em volta do pescoço. O cabelo espesso e negro, soltando-se como podia embaixo e entre as ataduras que se cruzavam, projetava-se formando caudas e chifres esquisitos, dando-lhe a aparência mais estranha que se poderia conceber. Aquela cabeça tapada e envolta em bandagens era tão diferente do que seria capaz de imaginar que, por um momento, ficou rígida.

Ele não baixara o guardanapo e ficara segurando-o, como via agora, com a mão enluvada e castanha, fixando-a com seus impenetráveis óculos azuis. — Deixe o chapéu — repetiu, falando distintamente através do guardanapo branco.

Os nervos dela começavam a recuperar-se do choque que haviam sofrido. Recolocou o chapéu sobre a cadeira perto do fogo.

— Não sabia, senhor — começou — que... — e calou-se, desconcertada.

— Obrigado — disse ele secamente, olhando dela para a porta e depois para ela novamente.

— Vou secá-las muito bem, imediatamente, senhor — falou, levando as roupas do aposento. Relanceou outra vez para a cabeça enfaixada de branco e para os óculos azuis, enquanto ia saindo; mas o guardanapo ainda se mantinha diante do rosto dele. Sentiu um, pequeno calafrio ao fechar a porta e sua expressão demonstrava claramente surpresa e perplexidade. — Nunca — sussurrou.

— Que coisa! — Dirigiu-se para a cozinha, silenciosamente, e tão preocupada estava que, ao chegar, nem lhe ocorreu perguntar a Millie que trapalhada fazia no momento.

O visitante permaneceu sentado, atento aos passos que se afastavam. Olhou atentamente para a janela, antes de tirar o guardanapo e recomeçar a refeição. Comeu um pouco, lançou um olhar desconfiado para a janela, comeu mais um pouco, depois levantou-se e, com o guardanapo na mão, atravessou o aposento e desceu a persiana até a musselina branca que resguardava as vidraças inferiores. Isso deixou a sala na penumbra. Depois, com um jeito mais tranquilo, voltou à mesa e à sua refeição.

— O pobre coitado sofreu um acidente ou fez uma operação ou qualquer coisa semelhante — disse a Sra. Hall. — Puxa! Que susto me deram aquelas ataduras!

Pôs um pouco mais de carvão no fogo, desdobrou o cabide de pé e pendurou o casaco do viajante. — E aqueles óculos! Ora, ele parece mais um escafandro do que um homem de verdade! — Pendurou o cachecol em uma extremidade do cabide. — Segurando aquele guardanapo em cima da boca o tempo todo. Falando através dele!... Talvez a boca também tenha sido ferida — talvez.

Deu uma viravolta, como alguém que, de repente, lembra-se de algo. — Deus me abençoe! — exclamou, mudando bruscamente de assunto; — você ainda não fez as batatas, Millie?

Quando a Sra. Hall foi tirar a mesa do almoço, sua impressão de que a boca do estranho devia ter sido cortada ou desfigurada no acidente que supunha que sofrerá foi confirmada, pois ele estava fumando um cachimbo e, durante todo o tempo em que permaneceu na sala, nem uma vez afrouxou o cachecol de seda no qual havia enrolado a parte inferior do rosto para levar a boquilha aos lábios. Isso, no entanto, não era por distração, pois observou que a olhava de vez em quando, vendo-a soltar fumaça. Estava sentado em um canto, de costas para a persiana e, tendo comido e bebido, e estando confortavelmente aquecido, falou com menos daquela agressividade lacônica de antes. O reflexo do fogo emprestava aos grandes óculos uma espécie de vivacidade com toques avermelhados que até então lhes faltara.

— Tenho alguma bagagem na estação de Bramblehurst — disse, e perguntou-lhe como poderia fazer para que a mandassem. Educadamente, inclinou a cabeça enfaixada para demonstrar que agradecia a explicação dela. — Amanhã! — protestou. — Não há uma entrega mais rápida? — e pareceu desapontado quando ela lhe respondeu — Não. — Tinha certeza? Não havia nenhum homem para ir até lá de charrete?

Sem a menor relutância a Sra. Hall respondeu às perguntas e encetou uma conversa. — A estrada é íngreme pela colina, senhor — disse, respondendo à indagação sobre a charrete; e depois, aproveitando a oportunidade, acrescentou: — Foi lá que uma carruagem virou há mais de um ano. Morreu um senhor, além do cocheiro. Em um instante acontecem acidentes, não é?

Mas o visitante não se deixou levar tão facilmente. — É verdade — concordou, falando através do cachecol e olhando-a calmamente com os óculos impenetráveis.

— Mas levam muito tempo para sarar, não acha, senhor?... Tom, o filho de minha irmã, cortou o braço com uma foice, caiu em cima dela no campo de feno e, Deus me abençoe, ficou três meses sem poder trabalhar, senhor. O senhor mal acreditaria. Isso me deu um verdadeiro horror de foice, senhor.

— Compreendo perfeitamente — disse o visitante.

— Houve uma ocasião em que ficou com medo de ter que fazer uma operação — tão grave era o seu estado, senhor.

O estranho riu inesperadamente, o riso como um latido que ele parecia morder e matar na própria boca. — Ficou?

— Ficou, senhor. E não foi nada divertido para os que cuidaram dele, como eu — já que minha irmã estava tão ocupada com os filhos menores. Havia ataduras a serem colocadas e retiradas, senhor. Por isso, se permite que tenha a ousadia de lhe dizer, senhor...

— Pode me arranjar fósforos? — interrompeu o visitante asperamente. — Meu cachimbo apagou.

A Sra. Hall calou-se prontamente. Decerto que era uma grosseria da parte dele, depois de ter-lhe contado tudo o que fizera. Olhou-o ofegando por um segundo e lembrou-se dos dois soberanos. Saiu para buscar os fósforos.

— Obrigado — disse ele secamente, quando os trouxe, e voltou-lhe as costas olhando novamente pela janela. Nada fazia para encorajá-la. Evidentemente um assunto que envolvia operações e bandagens lhe era desagradável. Afinal nem "ousara lhe dizer" coisa nenhuma. Mas a desconsideração a havia irritado, e ela descontou em Millie a tarde inteira.

O visitante permaneceu na sala até as quatro horas, sem pedir desculpas por sua intromissão. Ficou a maior parte do tempo absolutamente imóvel; dava a impressão de estar sentado na escuridão crescente, fumando ao clarão da lareira, ou talvez cochilando.

Uma ou duas vezes, um ouvinte curioso poderia tê-lo escutado dirigindo-se às brasas e, por um período de cinco minutos, seus passos foram ouvidos caminhando pela sala. Parecia estar falando sozinho. Depois, a cadeira rangeu; tinha se sentado outra vez.

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