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Primeiro Capítulo: "A Ilha do Tesouro" de Robert Louis Stevenson

Primeiro Capítulo: A Ilha do Tesouro

CAPÍTULO I
O Velho Lobo-do-Mar na
Almirante Benbow

A Ilha do Tesouro Texto Integral
217 páginas

ISBN:
978-85-66798-02-9


Preço: R$ 3,99

Como me foi pedido pelo Morgado Trelawnev, pelo doutor Livesey e pelos restantes cavalheiros para passar a escrito todos os detalhes relativos à ilha do Tesouro, do princípio até ao fim, sem nada omitir a não ser a situação da ilha, mas isso apenas porque parte do tesouro ainda está por desenterrar, pego na pena no ano da graça de 17..., e volto ao tempo em que o meu pai tinha a hospedaria "Almirante Benbow": e ao dia em que sob o nosso teto se alojou o velho marinheiro de face queimada e marcada por um golpe de sabre.

Dele me lembro como se fosse ontem, a arrastar os passos até à porta da hospedaria, e da arca de porão que atrás dele seguia num carrinho de mão; alto, forte e pesado, era um homem acastanhado; o rabicho oleoso caía-lhe nos ombros do casaco azul mais que sujo; as mãos calejadas e cobertas de cicatrizes, as unhas pretas e rachadas; e a marca do golpe de sabre através do rosto era de um branco sujo e lívido.

Lembro-me de o ver observar a enseada enquanto assobiava para si próprio e, a seguir, sair-se com aquela velha cantiga do mar que tantas vezes cantou depois:


"Quinze homens na arca do morto,
Aiou-ou-ou e uma garrafa de rum!"


numa voz aguda, velha e esganiçada, que parecia ter sido afinada e gasta nas barras dos cabrestantes. De seguida bateu à porta com uma amostra de bengala que lhe servia de bordão e, quando o meu pai apareceu, encomendou de má catadura um copo de rum. Quando este lhe foi servido, bebeu devagar, como entendedor, demorando-se a apreciar-lhe o sabor e continuando ainda a olhar em volta, para os rochedos e para a nossa tabuleta.

— Tem bom ar a enseada — declarou por fim — e a taberna está bem situada. Muita gente por cá, camarada?

O meu pai disse que não, que havia muito pouca, o que era uma lástima.

— Bem — retorquiu —, então é o ancoradouro que me convém. Olha cá, ó moço — gritou para o homem que trazia o carrinho de mão —, atraca aí e traz a arca para cima. Vou cá ficar por uns tempos — continuou. — Sou um homem simples; basta-me rum e toucinho com ovos, e aquele alto além para ir ver os navios passar. E como me hão de tratar? Pois tratem-me por capitão. Ah, já percebi o que pretende... tome lá — e atirou três ou quatro moedas de ouro para a soleira da porta.

— Avise-me quando tiver gasto isso — terminou, tão soberbo como um almirante.

E na verdade, por más que fossem tanto as roupas como a linguagem, não tinha nada o aspecto dum homem que trabalhasse no convés, mas mais lembrava um imediato ou um comandante, habituado a ser obedecido ou a castigar. O homem que trazia o carrinho de mão contou-nos que a mala-posta o deixara, na véspera de manhã, no Royal George; que tinha querido saber que estalagens havia ao longo da costa e, ao dizerem-lhe bem da nossa, creio, e também que era isolada, a tinha escolhido entre as mais para sua residência. E foi tudo o que ficamos a saber sobre o nosso hóspede.

De costume, era um sujeito muito calado. Durante todo o dia se perdia pela enseada, ou nas arribas, com um telescópio de latão; e todos os serões se sentava num canto da sala junto ao fogão, a beber rum com água sem parar. Quase nunca falava quando alguém se lhe dirigia; limitava-se a levantar a cabeça num gesto brusco e cheio de soberba, roncava pelo nariz como uma sirena de nevoeiro e tanto nós como os clientes nos habituamos em pouco tempo a deixá-lo em paz. Todos os dias, ao voltar do passeio, perguntava se quaisquer marítimos tinham passado na estrada. A princípio pensávamos que fazia essa pergunta por sentir a falta dos seus iguais; mas por fim começamos a ver que desejava evitá-los.

Sempre que algum marinheiro ficava na Almirante Benbow (o que por vezes sucedia com os que se dirigiam a Bristol pela estrada da costa) espiava-o pela cortina antes de entrar na sala; e sempre que lá estivesse qualquer desses homens era certo e sabido que ele se conservava calado como um rato. Para mim, pelo menos, não havia naquilo nenhum segredo; porque, de certa maneira, partilhei dos sobressaltos dele.

Uma vez, chamara-me de parte para me prometer quatro dinheiros de prata no primeiro dia de todos os meses se eu "estivesse sempre de vigia para avistar um marinheiro duma perna só", e o avisasse logo que este aparecesse. Muitas vezes, quando no primeiro dia do mês ia ter com ele para receber o meu soldo, limitava-se a roncar com o nariz e a fulminar-me com os olhos, mas antes que a semana chegasse ao fim certamente reconsiderava e lá vinha trazer-me a moeda de quatro dinheiros, repetindo as ordens de estar atento ao "marinheiro duma perna só".

Nem preciso contar como tal personagem me assombrava em sonhos. Em noites de tormenta, quando o vento abalava os quatro cantos da casa e as vagas rugiam na enseada e contra as arribas, via-o com mil formas e mil expressões diabólicas. Umas vezes tinha a perna cortada pelo joelho, outras pelo quadril; depois era uma espécie de criatura monstruosa nascida só com a perna única, ao meio do corpo. Vê-lo saltar e correr e perseguir-me por cima de sebes e valas era o pior de todos os pesadelos. Em suma, era um preço bem caro para a minha moeda mensal de quatro dinheiros, que tinha de pagar na forma de tais visões abomináveis.

Mas, embora andasse tão aterrorizado pela ideia do marinheiro duma perna só, era eu quem do próprio capitão tinha menos medo do que qualquer outra pessoa que o conhecesse. Noites havia em que tomava um pedaço mais de rum com água do que a cabeça lhe podia suportar; então, ficava por vezes sentado a cantar aquelas velhas cantigas do mar maliciosas e depravadas, sem se importar com ninguém; mas por vezes encomendava rodadas de copos, obrigando todos os presentes assustados a ouvir-lhe as histórias ou a acompanhá-lo em coro. E tantas vezes senti a casa estremecer com o "Aiou-ou-ou e uma garrafa de rum", os vizinhos todos a participar por amor à vida, subjugados pelo medo da morte, com cada um a cantar mais alto para evitar ser chamado à ordem. Pois quando lhe davam estes ataques, era o parceiro mais possessivo que já se viu; com palmadas na mesa ordenava o silêncio completo; lançava-se numa paixão de raiva se lhe faziam uma pergunta ou, outras vezes, se não lhe faziam nenhuma, concluindo que não estavam a dar ouvidos à sua história. Nem deixava ninguém sair da estalagem até ele próprio ter bebido a ponto de cair de sono e ir de roldão para a cama.

As narrativas eram o que mais assustava as pessoas. Eram histórias terríficas: de enforcamentos, do castigo da prancha no mar, tempestades, as Tortugas Secas, feitos selvagens e lugares no continente espanhol da América. Pelo que contava, devia ter vivido toda a vida entre os piores malfeitores que Deus jamais pusera sobre o mar; e a linguagem em que as contava chocava os nossos simples aldeões quase tanto como os crimes que descrevia. O meu pai estava sempre a dizer que a hospedaria acabava em ruína, porque as pessoas dentro em breve deixariam de lá entrar para serem tiranizadas e oprimidas, e ficarem arrepiadas à hora de deitar; mas em verdade creio que a presença dele nos fez bem.

Na altura as pessoas andavam atemorizadas, mas ao recordar até gostavam daquilo; era um rico motivo de excitação para a tranquila vida de província; e até corria entre os mais jovens a pretensão de o admirar, chamando-lhe um marujo dos antigos e nomes semelhantes, com a afirmação de que se tratava do gênero de homem que fizera temível o poderio inglês no mar.

De fato, por um lado, apostava em arruinar-nos, porque se deixava ficar semana após semana, e por fim mês após mês, ao ponto de muito depois de todo o dinheiro se ter esgotado ainda o meu pai não ganhar ânimo para insistir em receber mais. Se tocava no assunto por acaso, o capitão fungava tão forte que mais parecia um rugido e, só com um olhar fixo, obrigava-o a sair. Vi-o a retorcer as mãos depois duma destas recusas, e estou certo de que a preocupação e o terror em que o meu pai vivia muito lhe devem ter precipitado a morte precoce e infeliz.

O capitão nunca mudou de vestuário durante todo o tempo que esteve conosco, com a exceção de ter comprado uns pares de meias a um vendedor ambulante. Desde o dia em que lhe caiu uma das abas do chapéu que a deixou ficar pendurada, embora fosse um aborrecimento quando havia vento. Recordo o aspecto do casaco, que ia remendando no quarto e que, para o fim, não era senão remendos. Nunca escreveu nem recebeu qualquer carta e nunca falava com ninguém a não ser com os vizinhos, e até com estes, a maior parte das vezes, só quando estava cheio de rum. Quanto à grande arca de porão, nenhum de nós a tinha visto aberta.

Uma única vez lhe fizeram frente, e foi já perto do fim do meu pobre pai, na fase avançada do definhamento que o levou desta vida. O doutor Livesey veio ao fim da tarde ver o doente, aceitou da minha mãe um parco jantar e foi até à sala fumar cachimbo até lhe trazerem o cavalo da aldeia, pois não tínhamos estábulo na velha Benbow. Segui-o e lembro-me de notar o contraste que o médico limpo e asseado, com a cabeleira empoada e branca como neve e os olhos brilhantes e negros, o porte agradável, fazia com os labregos desajeitados e, mais do que todos, com aquele espantalho sujo, maciço e remelento que era o nosso pirata, sentado e cheio de rum, de braços atravessados na mesa. Bruscamente, ele — quero dizer o capitão — pôs-se a bradar a eterna cantiga:


"Quinze homens na arca do morto,
Aiou-ou-oa e uma garrafa de rum!

Aos outros levou-os a bebida e o diabo
Aiou-ou-ou e uma garrafa de rum!"


Primeiro eu tinha pensado que a arca do morto era aquele grande caixote que ele tinha lá em cima no quarto da frente, e a ideia tinha-se-me misturado nos pesadelos em conjunto com a do marinheiro duma perna só. Mas naquela altura já todos tínhamos deixado de dar atenção especial à cantiga; nessa noite só era nova para o doutor Livesey, e notei que não produzia nele um efeito agradável, pois levantou por instantes a cabeça, visivelmente irritado, antes de continuar a conversa com o velho jardineiro Taylor sobre um novo remédio para o reumatismo. Enquanto isso, o capitão começou a ficar animado com a própria música, até que deu uma grande palmada na mesa de um modo que todos sabíamos o que queria dizer — silêncio.

As vozes calaram-se logo, todas menos a do doutor Livesey; continuou como antes a falar com voz clara e atenciosa, a chupar o cachimbo a cada palavra ou duas. O capitão fitou-o por momentos, deu outra palmada na mesa, fitou ainda com mais força, e por fim rosnou uma praga maldosa: — Silêncio, aí na coberta!

— O senhor estava a falar comigo? — disse o médico; e quando o tratante lhe disse, com outra praga, que sim, respondeu: — Só tenho a dizer-lhe, senhor, que se continua a beber rum, não tarda muito que o mundo se livre dum malandro nojento!

A fúria do velhote foi medonha. Pôs-se em pé dum salto, sacou e abriu uma navalha de mola e, com ela aberta na palma da mão, ameaçou espetar o médico contra a parede. Este nem sequer fez um gesto. Como antes, continuou a falar-lhe por cima do ombro e no mesmo tom de voz, suficientemente alto para que todos pudessem ouvir, mas perfeitamente calmo e firme:

— Ou mete já essa faca no bolso ou dou-lhe a minha palavra de honra que será condenado à forca na próxima sessão do tribunal.

Seguiu-se uma luta de olhares entre os dois; mas o capitão em breve se retraiu, guardou a arma e voltou a sentar-se, a resmungar como um cão derrotado.

— E agora, senhor — continuou o médico —, visto que já sei que está na minha zona um sujeito da sua espécie, pode ficar certo que o mandarei vigiar dia e noite. Não sou só médico, sou um magistrado; e se apanho uma sombra de queixa contra si, nem que seja por mau comportamento cívico como o de hoje, tomarei as medidas necessárias para o apanhar e expulsar por isso. Acho que basta.

Pouco depois chegou o cavalo do doutor Livesey e ele foi-se embora, mas o capitão manteve-se calado naquela noite e por muitas outras a seguir.

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