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Primeiro Capítulo: Guerra e Paz, volume 2

Primeiro Capítulo: Guerra e Paz, volume 2

Capítulo I

volume 2 | Livro Terceiro | Primeira Parte


Guerra e Paz, volume 2 Texto Integral
1011 páginas

ISBN:
978-85-66798-14-2


Preço: R$ 3,99

Em fins de 1811 principiaram os armamentos intensivos e a concentração das forças da Europa ocidental e, em 1812, estas forças, ou seja, milhões de homens, no número das quais se contava transportes e abastecimentos, puseram-se em marcha do ocidente para o oriente, em direção às fronteiras da Rússia, para onde se encaminhavam, igualmente, a partir de 1811, os exércitos russos. No dia 12 de Junho, os exércitos da Europa ocidental atravessaram a fronteira e a guerra principiou, isto é, produziu-se então um acontecimento em desacordo completo com a razão e a própria natureza do homem. Estes milhões de homens praticaram, em relação uns aos outros, tão grande número de abominações, de fraudes, de traições, de roubos, de falsificações de moeda, de pilhagens, de incêndios e de morticínios como não há exemplo nos arquivos dos tribunais do mundo inteiro, funcionando há séculos, e sem que, no entanto, durante todo este período, aqueles que cometeram tais crimes fossem considerados, realmente, criminosos.

Que produziu tão monstruoso acontecimento? Quais as suas causas? Os historiadores, com uma segurança ingênua, foram buscá-las ao insulto de que foi vítima o duque de Oldemburgo, não observância do bloqueio continental, à ambição de Napoleão, à resistência de Alexandre, aos erros da diplomacia, etc. Por conseguinte, teria bastado que Metternich, Rumiantsov ou Talleyrand, entre uma recepção na corte e uma reunião política, conviessem em redigir com arte uma nota bem cozinhada ou que Napoleão pegasse na pena para escrever a Alexandre: "Senhor meu irmão, consinto em devolver o ducado ao duque de Oldemburgo", para que não tivesse havido guerra.

É natural que fosse este o ponto de vista dos contemporâneos. Concebe-se que Napoleão tivesse atribuído a guerra às intrigas da Inglaterra, como declarou na ilha de Santa Helena. Admite-se que os membros do Parlamento inglês pensassem que deveriam ir buscar-se-lhe as causas à ambição de Napoleão; que o duque de Oldemburgo as tivesse visto na violência de que fora vítima; o comércio no bloqueio que arruinava a Europa; que os velhos militares e os generais tenham dado como pretexto do conflito a necessidade de ocupar os seus homens; os legitimistas da época a urgência em restabelecer os bons princípios, enquanto os diplomatas pensavam que tudo provinha de a aliança da Prússia com a Áustria em 1809 não ter sido habilmente escondida de Napoleão e de o memorando nº 178 haver sido mal redigido. Compreende-se que os contemporâneos tenham invocado estas e ainda outras razões, tantas ou tão poucas que o número delas pode variar consoante os numerosos pontos de vista.

Para nós, a posteridade, que contemplamos em toda a sua amplitude este acontecimento considerável e que penetramos o seu sentido simples e terrível, todas elas são, evidentemente, insuficientes. Não podemos conceber como milhões de cristãos puderam matar-se uns aos outros e torturar-se mutuamente só porque Napoleão era ambicioso, Alexandre firme, a política da Inglaterra tortuosa e o duque de Oldemburgo se sentia ofendido. Não é possível compreender a ligação que existe entre todas estas circunstâncias e as violências e os morticínios propriamente ditos.

Para nós, a posteridade, nós, que não somos historiadores, nem nos deixamos levar pelo entusiasmo das investigações, e examinamos, por conseguinte, com um bom senso imperturbável os acontecimentos, as causas aparecem-nos em número incalculável. Quanto mais nos enfronhamos na investigação dessas causas mais numerosas elas se nos revelam e cada uma em si ou uma série delas se nos afiguram igualmente justas, embora falsas também, dada a sua insignificância quando comparadas com a imensidade do acontecimento, e igualmente falsas pela sua insuficiência, independentemente de todas as demais causas concordantes poderem ter produzido o resultado encarado. Uma delas, por exemplo, o fato de Napoleão se ter recusado a retirar as suas tropas para o outro lado do Vístula e restituir o ducado de Oldemburgo, parece-nos valer tanto como a recusa de um primeiro-cabo francês a realistar-se, pois a verdade é que, se este não tivesse querido voltar à atividade e o seu exemplo houvesse sido seguido por milhares de soldados, teria havido muito menos homens no exército de Napoleão e este ver-se-ia impossibilitado de declarar a guerra.

Se Bonaparte se não houvesse sentido ofendido ao receber a comunicação em que se lhe pedia que se retirasse para a outra margem do Vístula e não tivesse dado às suas tropas ordem de marcha, não teria havido guerra. Mas se todos os seus sargentos se houvessem recusado a realistar-se também a agressão não se daria. Fosse como fosse, não se teria dado se não tivesse havido intrigas da Inglaterra, se não existisse o príncipe de Oldemburgo, se Alexandre não fosse tão susceptível, se a Rússia não tivesse um governo autocrático, se não tivesse havido a Revolução Francesa e assim por diante. Sem qualquer destas causas nada teria acontecido. É muito possível que para que o acontecimento se produzisse tivesse sido preciso o encontro de todas estas causas, de milhares de causas, o que só quer dizer não haver causas exclusivas e que as coisas acontecem porque têm de acontecer.

Milhões de homens, repudiando todo o sentimento humano e toda a espécie de razões, tinham de marchar do Ocidente para o Oriente dispostos a matar os seus semelhantes, tal qual, séculos antes, massas de homens tinham marchado do Oriente para o Ocidente matando igualmente o seu semelhante.

Os atos de Napoleão e de Alexandre, cuja palavra, na aparência, só por si podia impedir ou desencadear os acontecimentos, eram tão pouco livres e arbitrários como os do simples soldado destinado pela sorte ou o recrutamento a tomar parte na campanha.

As coisas não podiam passar-se de outra maneira, pois, para que fosse cumprida a vontade de Napoleão ou de Alexandre, na aparência senhores omnipotentes, era absolutamente necessária a concordância de numerosas circunstâncias, e bastava faltar uma só que fosse para nada vir a produzir-se. Era necessário que milhões de homens entre cujas mãos se encontrava a força atuante — soldados para disparar e transportar abastecimento, e canhões — estivessem de acordo para cumprir a vontade daqueles dois fracos indivíduos, se isolados, e que a tal fossem conduzidos por um número infinito de razões, tão complicadas quão diversas.

A intervenção do fatalismo na história é inevitável para explicar estas manifestações desprovidas de sentido, ou, antes, cujo sentido nos não é dado compreender. Quanto mais procuramos explicá-las logicamente tanto mais desarrazoadas e incompreensíveis se nos apresentam.

O homem vive para si mesmo, goza de liberdade para alcançar os seus objetivos particulares; todo o seu ser lhe diz que pode realizar ou não imediatamente este ou aquele ato; mas assim que age, realizado que seja o seu ato em tal ou qual momento da continuidade temporal, ei-lo que passa a ser irrevogável e a pertencer daí para o futuro à história, perdendo o seu carácter de ato livre para ocupar um lugar que lhe é previamente designado.

A vida do homem tem duas faces. Há, em primeiro lugar, a vida individual, tanto mais livre quanto mais gerais os seus interesses, quanto mais abstratos; e depois a vida como um elemento social, a vida do cortiço humano, em que o homem tem inevitavelmente de se submeter às leis que lhe são prescritas.

O homem vive conscientemente a sua vida individual, servindo de instrumento inconsciente à realização dos fins históricos da humanidade inteira. O ato realizado torna-se irrevogável, e, graças à sua concordância com os milhões de outros atos realizados ao mesmo tempo, assume valor histórico. Quanto mais alto o homem está colocado na escala da humanidade, quanto mais importantes as personagens com quem entra em contato, tanto maior, igualmente, o seu poder sobre os outros homens e mais evidente o carácter de predestinação e de fatalidade de cada um dos seus atos.

"O coração dos reis está na mão de Deus." "O rei é escravo da história."

A história, quer dizer, a vida inconsciente, geral, elementar, da humanidade serve-se de todos os minutos da vida dos reis para alcançar os seus objetivos.

Embora então, em 1812, Bonaparte estivesse mais do que nunca convencido de que não dependia senão dele "fazer ou não verter o sangue dos povos", como dizia Alexandre na última carta que lhe escreveu, a verdade era mais do que nunca encontrar-se sujeito a essas leis fatais que, enquanto lhe davam a ilusão de agir por si, segundo o seu próprio capricho, o compeliam o, colaborar na obra comum, a história, realizando o que necessariamente tinha de realizar-se.

Os homens do Ocidente puseram-se a caminho do Oriente para se chacinarem uns aos outros. E, segundo a coincidência das causas, colaboraram neste acontecimento e encontraram-se em correlação com ele milhares de pequenas causas desse movimento e dessa guerra, entre as quais a violação do bloqueio continental, a ofensa ao duque de Oldemburgo, os deslocamentos de tropas na Prússia, realizados, segundo pensava Napoleão, com o único fim de se conseguir uma paz armada; o amor da guerra do imperador dos Franceses e o hábito em que estava de a fazer, de acordo com as disposições particulares do seu povo; o entusiasmo a que levavam os preparativos grandiosos; as despesas que estes preparativos determinaram; a necessidade de conseguir vantagens que compensassem tais despesas; as honrarias inebriantes que recebera em Dresde; as conversações diplomáticas que, de acordo com a opinião dos contemporâneos, haviam sido realizadas com o sincero desejo de alcançar a paz e que no fim de contas só serviram para irritar o amor-próprio de parte a parte; milhões de milhões de outras causas, enfim, que concorreram para a realização do acontecimento ou que coincidiram com ele.

Uma maçã cai quando está madura. Porquê? É o peso que a faz cair? Ou porque se lhe seca o pé, porque o sol a queima, porque se tornou pesada de mais, porque o vento a sacudiu ou, muito simplesmente, porque um garoto junto da árvore morria por comê-la?

Nenhuma destas causas é a válida. Não há mais que uma concordância de condições favoráveis na realização de qualquer dos acontecimentos elementares da vida orgânica. O botânico que descobre que a maçã cai como consequência da decomposição do tecido celular ou qualquer coisa semelhante não tem mais razão que o garoto dizendo que a maçã caiu porque ele a desejava comer e nesse intuito rezou a Deus. Igual razão ou sem-razão terá aquele que vier dizer que Napoleão entrou em Moscovo por ser esse o seu desejo e que aí se perdeu por ser essa a decisão de Alexandre. Igualmente estará em erro e terá razão aquele que disser que uma montanha de milhões de puds que acabou por se desmoronar minada na base caiu graças ao último golpe de picareta do último dos sapadores. Nos fatos históricos, esses a quem se dá o nome de grandes homens não passam, no fundo, de etiquetas para designar o acontecimento. Aqueles têm tão pouca relação com tais fatos como as próprias etiquetas que lhes põem.

Nenhum dos seus atos que a eles se lhes afigurem produto do livre arbítrio podem considerar-se em verdade voluntários no sentido histórico da palavra, pois estão relacionados com a marcha geral da história, onde o seu lugar se encontra assinalado para toda a eternidade.

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