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Primeiro Capítulo: Olalla

Primeiro Capítulo: Olalla

Primeiro Capítulo: Olalla

Olalla Texto Integral
46 páginas

ISBN:
978-85-66798-32-6


Preço: R$ 3,99

— Por agora — disse o médico —, a minha parte está feita. E posso dizer que bem feita. Do que precisa é sair desta cidade fria e doentia e ir gozar dois meses de ar puro e tranquilidade. Este último é de sua conta. No primeiro caso, julgo poder ajudá-lo. Acontece que há apenas alguns dias encontrei o pároco no campo. Somos velhos amigos, apesar das nossas profissões serem opostas e pediu-me que o ajudasse num assunto que afetava alguns dos seus fiéis. Trata-se de uma família... mas certamente o senhor ignora como é a Espanha e apenas conhece o nome dos nossos nobres. Por isso, basta dizer que noutro tempo foram pessoas importantes e que presentemente se encontram à beira da ruína. Na atualidade, não lhes resta mais do que a residência e umas quantas léguas de terreno desértico em que nem uma cabra consegue sobreviver. Mas a casa é um velho local muito bonito que se ergue a grande altura entre os cerros. Um lugar muito saudável. Enquanto escutava a história que o meu amigo me contava, lembrei-me de si. Disse-lhe que conhecia um oficial ferido pela boa causa, que poderia produzir uma mudança naquela família; e propus-lhe que os amigos dele o recebessem a si como hóspede. Como havia previsto, o rosto do pároco entristeceu-se de imediato. "Isso é impossível", disse ele, ao que lhe respondi: "Então deixe-os morrer de fome. Não tenho nenhuma simpatia pelo orgulho andrajoso". Pouco depois, separávamo-nos não muito contentes um com o outro. Mas ontem, para meu grande espanto, o pároco apareceu e fez-me uma proposta. "A dificuldade", disse ele, "verifiquei ser menor do que temia. Por outras palavras, essa gente orgulhosa engoliu o seu orgulho". Fechei o acordo pendente da sua aprovação e reservei um quarto para si na casa dos senhores. O ar dessas montanhas renovar-lhe-á certamente o sangue e a quietude em que ali viverá vale mais do que todos os remédios do mundo.

— Doutor — respondi-lhe —, o senhor tem sido verdadeiramente o meu anjo da guarda. O seu conselho é uma ordem para mim. Mas, por favor, fale-me um pouco dessa família com a qual vou viver.

— Muito bem — respondeu o meu amigo. — Existe uma dificuldade. Esses mendigos, como lhe disse, descendem de uma alta linhagem e estão inchados com a mais infundada vaidade. Viveram durante várias gerações num crescente isolamento, afastando-se dos ricos, que consideravam muito elevados para eles, e dos pobres, a quem consideravam demasiado baixo. Mesmo hoje, quando a necessidade os obrigou a abrir as portas a um hóspede, não o fazem sem colocarem a mais desagradável das condições: o senhor terá de permanecer, dizem eles, como um estranho. Servi-lo-ão, mas negam-se desde o primeiro momento à mais ligeira intimidade.

Não negarei que isto me magoou; mas talvez tenha sido esta sensação que me aumentasse o desejo de ir, pois acreditava que poderia derrubar a barreira que me levantavam.

— Não há nada de ofensivo nessa condição — disse eu — e até simpatizo com os sentimentos que a inspiram.

— A verdade é que nunca o viram antes — comentou cortesmente o doutor — e se eles soubessem que o senhor tem uma tão boa aparência e que é o homem mais bem disposto que veio da Inglaterra — onde, segundo me disseram, são vulgares os homens com boa aparência, mas não tanto os agradáveis —, dar-lhe-iam as boas-vindas com o maior agrado. Mas já que o senhor aceita tão descontraidamente as coisas, isso carece de importância, embora quanto a mim me pareça uma descortesia. Assim, só terá a ganhar e a família não constituirá para si uma tentação demasiado grande. Uma mãe, um filho e uma filha; a primeira, uma velha que, no dizer das pessoas é meio tonta; o filho, um patego; e a filha, uma menina do campo a quem o seu confessor tem em alta estima; pelo que deduzo — comentou o médico com uma risada — há-de ser pouco atraente para poder conseguir cativar um brilhante oficial.

— E, no entanto, o senhor diz que são de alta linhagem objetei.

— Bem, a esse respeito, tenho de fazer uma distinção respondeu o Doutor. — A mãe é-o, mas o mesmo não acontece aos filhos. A mãe é a última representante de uma estirpe principesca que degenerou tanto no seu aspecto humano como na sua fortuna. O pai não foi apenas pobre, como também estava louco e a menina cresceu descuidadamente pela mansão afora em vida do progenitor. Quando este morreu e com ele grande parte da fortuna, a menina foi criada ainda com menos cuidados, até que finalmente se casou, sabe Deus com quem. Uns dizem que com um arrieiro; outro que com um contrabandista, embora haja quem defenda que não houve casamento e que Felipe e Olalla não passam de bastardos. A união, qualquer que ela tenha sido, dissolveu-se tragicamente há já alguns anos; mas viviam em tal isolamento e o país nessa altura atravessava uma desordem tal que a forma exata como o homem morreu apenas a sabe o padre, se é que porventura a conhece.

— Começo a acreditar que vou viver estranhas aventuras — comentei.

— Não diria que fosse o senhor — replicou o Doutor. Temo que vá dar com gente vulgar e de baixa formação. O Felipe, por exemplo, já o vi e posso dizer que é muito rústico, tosco e simplório; os outros provavelmente serão parecidos. Não, senhor comandante, o senhor terá de arranjar uma companhia que esteja à sua altura nas paisagens das nossas montanhas. Estas, pelo menos, se o senhor for amante das obras da natureza, garanto-lhe que não o defraudarão.

No dia seguinte, Felipe veio buscar-me num carro mal aparelhado puxado por uma mula; e um pouco antes de soarem as doze, despedia-me do médico, do hospedeiro e de todas aquelas almas boas que haviam sido meus amigos durante a minha enfermidade e pusemo-nos a caminho, saindo da cidade pela porta do Leste e de imediato começamos a subir a serra. Eu fora um prisioneiro durante tanto tempo, desde o momento em que me abandonaram para morrer quando perdi o comboio, que agora, só de sentir o cheiro da terra, isso me fazia sorrir. A região que atravessávamos era selvagem e rochosa, parcialmente coberta por bosques densos, uma vezes de sobreiros, outras de castanheiros, frequentemente percorridos por torrentes que desciam da montanha. O sol brilhava e o vento sussurrava alegremente. Tínhamos avançado alguns quilômetros e a cidade começara a encolher-se até se converter num ponto imperceptível sobre a planície que se estendia atrás de nós, quando comecei a fixar a atenção no meu companheiro de viagem. À primeira vista, parecia um camponês mesquinho e rude. Era bem parecido, forte, vivaz e ativo, mas totalmente oco culturalmente, tal como o médico o havia descrito. Para qualquer observador, esta primeira impressão seria definitiva. O que começou a chamar-me a atenção foi a sua conversa familiar e vulgar, tão estranhamente em desacordo com as condições em que eu devia ser recebido. Também me surpreendeu a incorreção da sua pronúncia, assim como a incoerência do tema da sua conversa que eu tinha dificuldade em acompanhar. É verdade que já havia falado anteriormente com pessoas de configuração mental parecida, das que apenas parecem viver dos sentidos, arrastadas e possuídas pelo que ocorre a cada momento e incapazes de libertar a mente do puramente sensorial. O tipo de conversa parecia próprio dos arrieiros que passam muito tempo num grande vazio intelectual, percorrendo vez após vez as paisagens de uma terra que lhes é familiar. Mas não era este o caso de Felipe, dado que era ele quem sustentava a casa.

— Quem me dera estar ali — disse ele, olhando para uma árvore perto da estrada para logo de seguida mudar bruscamente a conversa e dizer que certa vez havia visto um corvo entre os seus ramos.

— Um corvo? — repeti, estranhando o tom da observação, julgando haver percebido mal.

Mas ele já estava noutra ideia, escutando com ar absorto, com a cabeça inclinada para um lado e a testa franzida. De imediato, fez-me um gesto indicando que parasse. Sorriu e sacudiu a cabeça.

— Que foi que ouviste? — perguntei.

— Oh, não é nada — disse ele, começando a incitar a mula com gritos que o eco das paredes da montanha devolvia com um som que não parecia humano.

Fitei-o com mais atenção. Tinha uma excelente figura: escorreito e forte; as suas feições eram corretas: os seus olhos dourados eram muito grandes, embora talvez pouco expressivos. Fitando-o em conjunto era um moço de aspecto agradável, a que não lhe faltava uma tez morena e aveludada, duas características que me desagradavam. Era, porém, a sua mente que me enchia de confusão e que me atraía. A expressão do médico: "um simplório", voltou-me à lembrança e pensei nela enquanto a carroça começava a descer para o leito estreito e nu de uma torrente cheia de encanto. As águas troavam tumultuosamente no fundo do barranco que se enchia dos seus sons, de água pulverizada e dos golpes sonoros com que o vento a acompanhava na sua descida. A cena era realmente impressionante. Naquela zona, a estrada era ladeada por fortes muros e a mula avançava com regularidade, pelo que achei estranho detectar uma palidez medrosa na cara do meu acompanhante. A voz daquele rio selvagem não era constante; ora se fundia mais abaixo como se estivesse enfastiada, ora redobrava o seu clamor. Avenidas momentâneas pareciam aumentar-lhe o volume, precipitando-o pela garganta, bramando e rebentando contra as paredes que o aprisionavam. Observei que era em cada um destes aumentos do barulho que o meu condutor fazia um gesto de recuo e empalidecia intensamente. Algumas ideias de superstição escocesa sobre os espíritos malignos dos rio cruzaram-me a mente. Pensei que talvez em toda aquela parte da Espanha se encontrassem também essas superstições e, voltando-me para Felipe, procurei sondá-lo.

— Que se passa? — perguntei-lhe.

— Oh, tenho medo! — respondeu.

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