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Primeiro Capítulo: A Volta do Parafuso

Primeiro Capítulo: A Volta do Parafuso

Capítulo 1

A Volta do Parafuso Texto Integral
129 páginas

ISBN:


Preço: R$ 5,05

Lembro-me de todo esse princípio como uma sucessão de altos e baixos, uma gangorra de emoções diversas, umas naturais, outras injustificadas. Depois do meu entusiasmo, na cidade, para atender ao seu apelo, passei dois dias, sob todos os aspectos, muito maus: senti-me de novo hesitante, certa de que cometera um erro. Nesse estado de espírito, passei as longas horas da viagem, sofrendo os solavancos e o desconforto de uma velha diligência que me conduziu ao lugar em que deveria encontrar um veículo da casa. Com efeito, ao entardecer de um dia de junho, encontrei à minha espera um confortável carro. Viajando a essa hora, num dia belíssimo, por uma região cuja doçura estival parecia oferecer-me uma recepção cordial, senti-me de novo reanimada e, ao entrarmos numa alameda, se apoderou de mim um bem-estar que talvez não fosse uma reação do desalento em que eu mergulhara. Creio que eu esperava ou temia algo tão melancólico, que o espetáculo com que deparei constituiu agradável surpresa. Recordo a excelente impressão que me causou a fachada ampla e clara, com sua janelas abertas, suas claras cortinas e duas criadas que observavam a minha chegada; recordo o verde relvado e as flores brilhantes, o ruído das rodas do carro sobre o caminho de cascalho e as árvores copadas cujas ramagens se uniam no alto, e sobre as quais revoluteavam, ruidosas, as gralhas, no céu dourado. O cenário tinha uma grandeza que contrastava grandemente com a modesta casa onde eu até então vivera e, mal se deteve o carro, surgiu à entrada da casa, dando a mão a uma menininha, uma pessoa de aspecto cortês, que fez uma reverência tão cerimoniosa como se eu fosse a dona da casa ou uma visitante ilustre. Em Harley Street, eu ouvira uma descrição pouco favorável do lugar, e ao relembrá-la, não pude deixar de julgar o proprietário ainda mais cavalheiresco, o que me levou a pensar que o prazer que me assegurava talvez estivesse muito além de suas palavras.

Não tive nenhuma decepção até o dia seguinte, pois as horas que se seguiram eu as empreguei, com êxito, em estreitar relações com a minha aluna mais jovem. A garotinha que acompanhava Sra. Grose me pareceu, desde o primeiro momento, uma criatura tão encantadora, que considerei uma grande sorte tê-la sob os meus cuidados. Era a criança mais bela que eu encontrara em minha vida e, depois, perguntei a mim mesma porque seria que meu patrão não me falara mais a respeito dela. Dormi pouco aquela noite, pois que estava por demais excitada; e isso também me surpreendeu – lembro-me agora – chegando a preocupar-me, ao pensar na generosidade com que fora recebida. O aposento grande e imponente que me destinaram, um dos melhores da casa, a ampla cama de cerimônia – pelo menos assim a considerei – as ricas cortinas floridas, os altos espelhos nos quais, pela primeira vez, eu podia ver-me da cabeça aos pés, e, ainda, o extraordinário encanto de minha pequena discípula – tudo isso me impressionou, parecendo-me excessivo. Também me pareceu, desde o primeiro momento, que as minhas relações com Sra. Grose seriam satisfatórias, ao contrário do que eu pensava, um tanto atemorizada, durante a viagem. A única coisa, com efeito, que, naquele primeiro encontro, poderia ter feito renascer os meus receios, foi o fato de ela ter-se mostrado excessivamente alegre ao ver-me. Percebi, dentro de meia hora, que ela – mulher corpulenta, simples, franca, asseada, saudável – estava tão contente, que tinha, positivamente, de esforçar-se por não o demonstrar demasiado. Chegou mesmo a causar-me um pouco de estranheza que ela procurasse ocultá-lo e isso, com um pouco de reflexão e suspeita, poderia ter feito com que me sentisse inquieta.

Mas era um conforto para mim pensar que não poderia haver qualquer inquietude quanto à imagem radiante da pequena confiada aos meus cuidados, cuja angélica beleza influiu, provavelmente, mais do que qualquer outra coisa na inquietude que, antes do amanhecer, me fez levantar várias vezes do leito e andar pelo quarto, para compenetrar-me mais do ambiente, observar, da janela, a pálida aurora estival, examinar as outras partes da casa que os meus olhos podiam distinguir, e escutar, enquanto as últimas sombras da noite se desvaneciam, os primeiros trinados dos pássaros, a possível repetição de um ou dois sons menos naturais que vinham não de fora, mas de dentro, e que eu supunha ter ouvido. Houve um momento em que julguei reconhecer, fraco e distante, um grito de criança; outro em que estremeci, quase conscientemente, ante o que me pareceu um ruído de passos leves atrás da porta. Mas tais imaginações não eram bastante nítidas para que eu não pudesse afastá-las – e foi somente à luz, ou, talvez o dissesse melhor, somente devido à obscuridade dos acontecimentos subsequentes, que isso agora me acode à memória. Vigiar, ensinar, "formar" a pequena Flora, seria, evidentemente, um motivo para uma vida feliz e útil. Ficava combinado que, depois daquela primeira noite, ela passaria a dormir em meu quarto e, para isso, a sua caminha branca já havia sido colocada junto à minha. Competia-me cuidar inteiramente dela, e se havia ficado aquela noite, pela última vez, em companhia de Sra. Grose, aquilo se devia apenas a uma deferência em vista a minha estranheza inevitável e a natural timidez de Flora. Apesar de sua timidez – a que a própria criança, de maneira mais estranha possível, se referira com a mais perfeita franqueza e coragem, permitindo, sem nenhum sinal de acanhamento e com a profunda e doce serenidade de um anjo de Rafael, que o assunto fosse discutido, comentado e que nos submetêssemos a ele – eu tinha a certeza de que ela, dentro de pouco tempo, gostaria de mim. Em parte, a simpatia que eu já sentia por Sra. Grose provinha do prazer que eu via que ela experimentava ante minha admiração e deslumbramento, quando eu me sentava à mesa de quatro altos candelabros e de minha pequena discípula, instalada, com um guardanapo em torno do pescoço, numa cadeira alta, a observar-me, atentamente, por cima do leite e do pão. Havia, naturalmente, muita coisa que, em presença de Flora, só podíamos comunicar uma à outra por meio de olhares significativos e surpresos ou alusões indiretas e obscuras.

– E o menino, parece-se com ela? É também assim extraordinário?

Não se devia elogiar uma criança, em presença da mesma.

– Oh, senhorita, bastante extraordinário! Se é que esta lhe parece tal!

E Sra. Grose continuava de pé, com um prato na mão, a olhar, radiante, a nossa pequena companheira, cujos olhos ora fitavam uma, ora outra de nós, sem que nada houvesse, em sua placidez celestial, que nos levasse a conter as nossas palavras.

– Sim, e então?

– A senhorita se sentirá arrebatada pelo jovenzinho!

– Bem, creio que foi para isso que vim para cá... Para deixar-me arrebatar. Mas receio – senti, lembro-me, necessidade de acrescentar – ser uma pessoa que se deixa arrebatar facilmente. Em Londres também me senti arrebatada!

Posso ainda ver o amplo rosto de Sra. Grose, ao interpretar o sentido dessas minhas palavras.

– Em Harley Street?

– Em Harley Street.

– Bem, a senhorita não foi a primeira... e não será a última.

– Oh, não tenho a pretensão de ser a única – consegui dizer, rindo. – De qualquer modo, segundo entendo, o meu outro discípulo chegará amanhã, não é verdade?

– Amanhã não, senhorita: sexta-feira. Chegará, como a senhorita, pela diligência, sob a vigilância do condutor. Depois, o carro estará à sua espera. O mesmo em que a senhorita veio.

Manifestei logo a opinião de que seria não só conveniente, mas, também, cordial e amistoso, que eu fosse esperar, em companhia de sua irmãzinha, a chegada da diligência – ideia que Sra. Grose acolheu de tão bom grado que eu, de certo modo, encarei a sua atitude como uma promessa confortante jamais desmentida, graças a Deus! – de que estaríamos sempre, em todas as questões, inteiramente de acordo. Oh, ela estava contente por eu me encontrar lá!

O que senti no dia seguinte não pode, creio eu, ser interpretado como uma reação ao júbilo que experimentei à chegada; era, provavelmente, no máximo, uma ligeira opressão produzida pelo exame mais completo e preciso das novas circunstâncias, quando as contemplei em conjunto, analisando-as, depois, uma por uma. Eram, por assim dizer, de uma extensão e volume para os quais eu não estava preparada, e em presença dos quais me senti, de novo, não só um pouco assustada, como, também, um tanto orgulhosa. As lições, dada a minha agitação, sofreram alguma demora. Refleti que o meu dever era, antes de mais nada, conquistar a confiança da pequena, lançando mão de toda a habilidade que me fosse possível. Passei o dia, em sua companhia, ao ar livre; combinei com ela, para sua grande satisfação, que seria ela, somente ela, quem deveria mostrar-me a casa. Ela o fez passo a passo, aposento por aposento, segredo por segredo, entretendo-me com a sua deliciosa loquacidade infantil, o que teve como resultado fazer com que, dentro de meia hora, nos tornássemos amigas íntimas. Pequena como era, impressionou-me, durante a nossa volta pela casa, pela confiança e coragem que revelou nos aposentos vazios e nos sombrios corredores, nas escadas em caracol, que me obrigavam, às vezes, a deter-me, e, mesmo no alto de uma torre quadrada provida de balestreiros, que me causava tonturas. Aquela sua loquacidade matinal, aquela sua disposição para dizer-me muito mais coisas do que as que me perguntava, me aturdiam e arrastavam. Não voltei mais a Bly desde o dia em que de lá saí, e ousaria dizer que agora, para os meus olhos mais velhos e experientes, o lugar teria uma importância muito reduzida. Mas, enquanto a minha pequena cicerone, com os seus cabelos de ouro e o seu vestido azul, pulava diante de mim nos cantos dos velhos muros e ao longo dos corredores, eu tinha a impressão de estar num castelo de romance, habitado por um duende de faces rosadas, num lugar que, de certo modo, fazia empalidecer os livros de histórias infantis e os contos de fadas. Acaso não seria tudo aquilo um conto que me fizera adormecer e sonhar? Não. Era uma casa grande, feia, antiga, mas confortável, que conservava restos de uma construção ainda mais antiga, em parte substituídos, em parte utilizados, na qual eu tinha a impressão de que estávamos quase tão perdidos como um punhado de passageiros num grande navio navegando à deriva. Um navio em que eu estivesse, estranhamente, manejando o leme!

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