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Primeiro Capítulo: Ela, A Feiticeira

Primeiro Capítulo: Ela, A Feiticeira

Capítulo I
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Ela, A Feiticeira Texto Integral
294 páginas

ISBN:


Preço: R$ 5,05

Existem alguns acontecimentos cujas circunstâncias e detalhes envolvidos parecem estar de tal forma gravados em nossa memória que não conseguimos esquecê-los. É isso o que acontece com a cena que pretendo descrever: nesse momento, ela aparece tão clara em minha mente que é como se tivesse ocorrido ontem.

Foi exatamente neste mês, há cerca de vinte anos, que eu, Ludwig Horace Holly, permaneci uma noite numa de minhas salas em Cambridge, para trabalhar em algumas questões matemáticas, não lembro agora quais. Deveria defender minha tese dali a uma semana, e tanto o orientador como meus colegas esperavam que me saísse muito bem. Depois de algum tempo, já bastante cansado, atirei o livro para o lado e fui até a lareira, de onde apanhei um cachimbo, enchendo-o de fumo. Em cima da lareira havia uma vela acesa, e atrás dela, um pedaço de vidro comprido e estreito; exatamente no momento em que acendia o cachimbo pude ver a imagem de meu rosto refletido no vidro, e parei para pensar. O fósforo aceso queimou até chamuscar meus dedos, obrigando-me a jogá-lo fora; mas eu permaneci ali, olhando para minha imagem no vidro e refletindo.

– Bem – disse em voz alta depois de algum tempo –, espero ser capaz de fazer alguma coisa com o interior de minha cabeça, pois com a ajuda de seu exterior seguramente nunca conseguirei fazer nada.

Essa observação com certeza vai parecer um tanto obscura para qualquer um que a leia; na verdade, porém, eu me referia a minhas imperfeições físicas. A maioria dos rapazes de vinte e dois anos são contemplados com algum quinhão, maior ou menor, da graça da juventude, mas até isso me foi negado. Baixo, atarracado e com o peito fundo até quase a deformidade; braços duros e longos, feições pesadas, olhos fundos e acinzentados, sobrancelhas baixas e cobertas parcialmente por um tufo de cabelos negros e grossos, como se uma floresta tivesse recomeçado a invadir uma clareira deserta; essa era a minha aparência cerca de um quarto de século atrás, e ainda é, com algumas modificações, até este momento. Como Caim, fui marcado – marcado pela Natureza com a estampa da feiura incomum, assim como fui agraciado pela mesma Natureza com ânimo e força também incomuns, além de consideráveis poderes intelectuais. De fato eu era tão feio que os elegantes alunos da universidade, embora ficassem bastante orgulhosos de minhas façanhas de resistência e intrepidez física, não faziam nenhuma questão de serem vistos comigo. Seria então de espantar que eu fosse misantropo e taciturno? Seria de espantar que eu meditasse e trabalhasse sozinho e não tivesse amigos, nem ao menos um? Fora escolhido pela Natureza para viver sozinho e tirar conforto de seu seio, e somente daí. As mulheres odiavam a minha simples aparição. Apenas uma semana antes uma delas chamara-me de monstro, pensando que eu não estava ouvindo, e completara dizendo que eu havia conseguido convencê-la da veracidade da teoria dos macacos. Na verdade, certa vez uma mulher fingiu se importar comigo, e com ela desperdicei toda a afeição represada devido a minha natureza. Então, o dinheiro que eu deveria receber foi para outro lugar, e ela me descartou. Implorei que ficasse, implorei como nunca fizera com qualquer criatura viva antes ou depois, pois fora conquistado por seu rosto delicado, e a amava de verdade; e no final, como forma de me responder, ela conduziu-me até um espelho, pôs-se a meu lado e olhou para a imagem refletida.

– Diga-me – perguntou –, se eu sou a Beleza, o que é você?

Isso aconteceu quando eu tinha apenas vinte anos.

E fiquei ali, olhando, sentindo uma espécie de amarga satisfação na consciência da minha própria solidão – pois não tinha pai nem mãe, nem irmão; e ainda estava parado ali quando ouvi baterem à minha porta.

Esperei um pouco antes de abrir, pois já era quase meia-noite e não estava com vontade de receber nenhum estranho. Eu tinha apenas um amigo na universidade, ou melhor, no mundo; talvez fosse ele.

Nesse exato momento a pessoa que estava do lado de fora tossiu; fui correndo abrir a porta, pois conhecia aquela tosse.

Um homem forte, de cerca de trinta anos, ainda com alguns resquícios de uma singular beleza, entrou apressadamente, cambaleando sob o peso de um maciço cofre de ferro que carregava na mão direita. Depois de colocá-lo em cima da mesa começou a ter um terrível ataque de tosse. Tossiu, tossiu, até o rosto ficar quase roxo, e por fim, deixando-se cair numa cadeira, começou a cuspir sangue. Coloquei um pouco de uísque num copo e dei a ele para que bebesse. Depois de beber, pareceu ter melhorado um pouco; mas mesmo com essa melhora seu estado ainda era bastante ruim.

– Por que me deixou parado lá fora no frio? – perguntou, irritado. – Você sabe muito bem que as correntes de ar são um veneno para mim.

– Não sabia quem era – respondi. – Além disso, é um pouco tarde, não acha?

– Acho; e também acho que esta será a minha última visita – continuou, fazendo uma penosa tentativa de dar um sorriso. – Estou acabado, Holly, estou acabado. Não acredito que chegue a ver o dia de amanhã!

– Besteira! – interrompi. – Vou chamar um médico. Ele fez um sinal imperativo com a mão.

– E uma ideia sensata; mas não quero médico nenhum. Estudei medicina e sei tudo sobre isso. Nenhum médico pode me ajudar. Minha hora chegou! Já faz um ano que estou vivendo por milagre. Agora ouça, como nunca ouviu ninguém na vida, pois não terá a oportunidade de me ver repetindo essas palavras novamente. Já somos amigos há dois anos; responda, então: o que você sabe sobre mim?

– Sei que é rico e teve o capricho de vir para a faculdade numa faixa etária em que a maioria das pessoas já está saindo daqui. Sei também que foi casado e sua esposa morreu; e que você foi o melhor, para não dizer o único amigo que já tive em toda a minha vida.

– Você sabia que tenho um filho?

– Não.

– Pois tenho. Ele tem cinco anos, e a vida dele custou a de sua mãe. A consequência disso é que nunca fui capaz de suportar a simples visão do rosto do garoto. Holly, se você aceitar a incumbência, vou nomeá-lo único tutor do menino.

Quase dei um pulo da cadeira.

Eu?! – gritei.

– E, você. Não fiquei estudando seu comportamento durante dois anos para nada. Já há algum tempo eu sabia que não poderia durar muito, e a partir do momento em que tive de enfrentar essa realidade comecei a procurar alguém a quem pudesse confiar o garoto e isso – disse, dando um tapinha no cofre. – Você é o homem, Holly; pois, como uma árvore enorme, seu interior é forte e resistente.

"Ouça", continuou, "esse menino será o único representante de uma das famílias mais antigas do mundo, quer dizer, até o ponto em que se pode traçar a origem de uma família. Você pode rir, se quiser, mas um dia ainda será provado, sem qualquer sombra de dúvida, que meu sexagésimo quinto ou sexagésimo sexto ancestral direto foi um sacerdote de Isis, no antigo Egito, embora tivesse origem grega e seu nome fosse Kallikrates. O pai dele, por sua vez, fora um dos mercenários gregos criados por Hak-Hor, um faraó mendesiano da vigésima nona dinastia, e seu avô ou bisavô, acredito, era o próprio Kallikrates mencionado por Heródoto. Aproximadamente a 339 a.C, na época exata da queda final dos faraós, esse Kallikrates (o sacerdote) quebrou seu voto de castidade e fugiu do Egito com uma princesa de sangue real, por quem tinha se apaixonado. O navio em que viajavam naufragou na costa da África, em algum lugar, acredito, nas proximidades de onde atualmente fica a baía Da lagoa, ou talvez um pouco ao norte; ele e a mulher se salvaram, enquanto todos os demais morreram, de um modo ou de outro. Nesse local os dois enfrentaram grandes dificuldades, mas no final acabaram sendo recebidos na casa da poderosa rainha de um povo selvagem, uma mulher branca de uma graça toda pessoal. Essa mulher, em circunstâncias que não posso revelar, mas que você acabará por conhecer a partir do conteúdo do cofre, se viver até lá, acabou por matar meu ancestral Kallikrates. Entretanto, sua esposa conseguiu escapar – como, não sei – e foi para Atenas; estava grávida, e quando a criança nasceu deu-lhe o nome de Tisístenes, ou o Poderoso Vingador.

"Cerca de quinhentos anos depois a família migrou para Roma em circunstâncias desconhecidas, e ali, talvez com o intuito de preservar a ideia de vingança que havia no nome de Tisístenes, começou a adotar com regularidade a alcunha de Vindex, ou o Vingador. Permaneceram por lá outros cinco séculos ou mais, até por volta de 770 d.C., quando Carlos Magno invadiu a Lombardia, onde eles haviam se estabelecido; nessa ocasião, o chefe da família parece ter se unido ao grande imperador, pois retornou com ele através dos Alpes para finalmente permanecer na Bretanha. Oito gerações mais tarde seu representante direto foi até a Inglaterra, no reinado de Eduardo, o Confessor, e na época de Guilherme, o Conquistador, foi agraciado com muita honra e poder. A partir dessa época, posso traçar minha ascendência sem nenhuma lacuna. Não que os Vincey s (pois essa foi a última alteração do nome, depois que a família fixou raízes em solo inglês) tenham sido de alguma forma importantes; na verdade, nunca chegaram a ficar em primeiro plano. Alguns foram soldados, outros, mercadores; no conjunto, porém, conseguiram preservar um nível perfeito de respeitabilidade, e um ainda mais perfeito de mediocridade. Desde a época de Carlos II até o começo deste século, os Vincey s foram mercadores. Por volta de 1790 meu avô conseguiu fazer fortuna fabricando cerveja e depois se aposentou. Morreu em 1821, e meu pai, que assumira os negócios, acabou com a maior parte do dinheiro. Há dez anos, ele também morreu, deixando-me uma renda líquida de cerca de dois mil dólares por ano. Foi então que empreendi uma expedição relacionada com aquilo – e apontou para o cofre –, cujo final foi um desastre. Na volta viajei pelo sul da Europa e acabei chegando a Atenas. Nessa cidade conheci minha amada esposa, que também poderia ter sido chamada de Bela, como meu ancestral grego. Casei-me, e um ano depois, quando do nascimento de meu filho, ela morreu." Fez uma pequena pausa, apoiando a cabeça na mão direita, e continuou:

– Meu casamento desviou-me a atenção de um projeto sobre o qual não desejo falar agora. Não tenho tempo, Holly; não tenho tempo! Um dia, se você aceitar esse encargo, saberá tudo sobre ele. Depois da morte de minha esposa, voltei a atenção novamente para o projeto. Mas primeiro era necessário (pelo menos assim pensei) obter um perfeito conhecimento dos dialetos orientais, em especial dos arábicos. Foi para facilitar meus estudos que vim para cá. Entretanto, minha doença se desenvolveu muito rápido, e agora estou perto do fim. – E, como se quisesse enfatizar suas palavras, começou a ter outro terrível ataque de tosse.

Dei-lhe um pouco mais de uísque, e depois de descansar um pouco ele continuou:

– Nunca voltei a ver meu filho Léo, desde que ele era um bebezinho. Nunca consegui suportar a ideia de vê-lo, mas dizem que é uma criança bonita e esperta. Nesse envelope – e retirou do bolso uma carta endereçada a mim – deixei por escrito o modo como gostaria que o menino fosse educado. Não é uma educação convencional. De qualquer forma, não poderia confiá-la a um estranho. Mais uma vez, você aceita?

– Primeiro preciso saber o que estou aceitando – respondi.

– Você vai aceitar ficar com o menino, Léo, e viver com ele até que tenha vinte e cinco anos; e não deve mandá-lo para a escola, lembre-se. No vigésimo quinto aniversário de Léo termina a sua tutela, e nesse momento você vai abrir o cofre com estas chaves que estou lhe entregando – e colocou-as em cima da mesa –, deixando-o ver e ler o conteúdo dela, para que possa responder se vai querer ou não se incumbir da busca. Ele não tem nenhuma obrigação de aceitar. Agora passemos às condições. Minha renda atual é de dois mil e duzentos dólares por ano. Se aceitar a tutela, metade dessa renda vai ser transferida a você pelo resto da vida – ou seja, uma remuneração de mil dólares por ano, considerando que terá de abdicar de muita coisa por causa disso, além de cem dólares por ano para pagar as despesas do menino. O resto será acumulado até. que Léo tenha vinte e cinco anos, para que ele tenha algum dinheiro na mão, caso deseje se incumbir da busca a que me refiro.

– E no caso de eu morrer? – perguntei.

– Nesse caso o menino se tornará tutelado do Chancery e seguirá seu destino. Apenas não se esqueça de em seu testamento deixar-lhe o cofre. Ouça, Holly, não recuse meu pedido. Acredite, isso também é para seu bem. Você não foi feito para se misturar com o mundo: isso só iria angustiá-lo. Dentro de algumas semanas se tornará um adjunto da universidade, e a renda que vai receber por causa disso, somada à que vou lhe deixar, permitirá que leve uma vida de ócio e erudição, combinada com a prática de esportes, de que tanto gosta; vai ser perfeito para você.

Fez uma pausa e olhou para mim com ansiedade, mas eu ainda hesitava. A incumbência me parecia muito estranha.

– Faça isso por mim, Holly. Temos sido tão amigos, e não há mais tempo de arranjar as coisas de outro modo.

– Muito bem – respondi –, farei o que você me pede, contanto que não exista nada neste papel que me faça mudar de ideia – continuei, tocando o envelope que ele colocara na mesa, ao lado das chaves.

– Obrigado, Holly, muito obrigado. Não há nada em absoluto. Agora jure por Deus que será um bom pai para o garoto e que seguirá as instruções contidas na carta.

– Juro – respondi solenemente.

– Muito bem; lembre-se, porém, de que talvez um dia eu venha pedir as contas desse juramento, pois, embora esteja morto e esquecido, ainda assim devo viver. Não existe isso a que chamam morte, Holly, mas apenas uma transformação, e (como talvez você descubra no devido tempo) acredito que mesmo aqui, em determinadas circunstâncias, essa transformação possa ser adiada indefinidamente. – E mais uma vez começou a ter um de seus terríveis ataques de tosse.

"Agora", completou, "preciso ir; você tem o cofre, e minha vontade poderá ser encontrada nesses papéis, sob cuja autoridade a criança lhe será entregue. Você terá uma boa remuneração, Holly, e sei que é honesto; mas se trair minha confiança, por Deus, vou caçá-lo onde você estiver".

Não respondi nada, pois na verdade estava perplexo demais para falar alguma coisa.

Ele ergueu a vela e olhou para o próprio rosto, refletido no vidro. Havia sido um belo rosto, mas a doença o destruíra.

– Comida para as minhocas – disse. – É estranho pensar que dentro de algumas horas estarei duro e frio, com a viagem feita, o pequeno jogo terminado. Ah, Holly! A vida não vale seus problemas, exceto quando estamos apaixonados... Pelo menos foi assim comigo; mas a vida do menino Léo pode valer a pena, se ele tiver coragem e fé. Adeus, amigo! – Ê com um súbito acesso de doçura deu-me um abraço, beijou-me a testa e preparou-se para sair.

– Espere, Vincey – disse eu; – se você está mesmo tão doente como pensa, é melhor deixar-me chamar um médico.

– Não, não – respondeu ele com seriedade. – Prometa que não vai fazer isso. Vou morrer, e como um rato envenenado gostaria de morrer sozinho.

– Não acredito que vá lhe acontecer algo – respondi. Ele sorriu, e com a palavra "Lembre-se" nos lábios, foi embora. Quanto a mim, sentei-me e esfreguei os olhos, imaginando se tudo não fora um sonho. Como essa ideia não resistiria a uma investigação, deixei-a de lado e comecei a imaginar o que Vincey teria bebido. Sabia que já há algum tempo ele estava muito doente, mas ainda assim não me parecia possível que seu estado fosse tão deplorável, a ponto de ele poder ter certeza de que não sobreviveria àquela noite. Estivesse ele tão perto da morte, decerto mal conseguiria andar, ainda mais carregando um cofre tão pesado. Refletindo melhor sobre a história, ela me parecia de todo inacreditável, pois naquela época minha idade ainda não me permitia ter consciência de que neste mundo acontecem muitas coisas que o senso comum de um homem normal julgaria improváveis, a ponto de praticamente não poderem acontecer. Só há pouco tempo adquiri plena consciência desse fato. Seria possível que um homem tivesse um filho de cinco anos, a quem nunca tivesse visto desde bebezinho? Não. Seria possível que alguém pudesse prever a própria morte com tanta precisão? Não. Seria possível que alguém pudesse traçar suas origens desde três séculos antes de Cristo, e que essa mesma pessoa repentinamente confiasse a tutela de seu filho, além de deixar metade de sua fortuna, a um simples colega da universidade? Com certeza não. Era óbvio que Vincey estava bêbado ou louco. E se fosse assim, qual o significado disso tudo? E o que havia dentro do cofre lacrado?

Esses pensamentos me desconcertaram e intrigaram durante tanto tempo que no final eu não conseguia suportá-los por nem mais um minuto, e resolvi ir dormir. Tendo colocado dentro da caixa de despachos as chaves e a carta que Vincey havia deixado e escondido o cofre numa mala grande, fui para a cama e adormeci rapidamente.

Parecia que dormira apenas por alguns minutos quando fui acordado por alguém que me chamava. Sentei-me e esfreguei os olhos; já era dia claro – oito horas, para ser exato.

– Ei, qual é o problema, John? – perguntei ao criado que trabalhava para mim e Vincey. – Parece que você viu um fantasma!

– E vi, senhor – respondeu ele –, ou melhor, vi um cadáver, o que é pior. Fui chamar o sr. Vincey, como sempre, e o encontrei rígido e morto!

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