Eu partira do Brasil, onde possuía uma plantação de fumo. Ia num barco de seis canhões e quatorze tripulantes, com destino à África. O barco levava um pequeno carregamento de mercadorias para negociar.
Aqui tem início a aventura principal de minha vida, mas talvez queiram saber o que fiz antes disso e como cheguei a ter coragem de arriscar tudo o que tinha para entregar-me aos caprichos do mar que tanto amo.
Devo dizer, então, que fui um menino como muitos outros... mas desde cedo aprendi a fazer valer minha vontade e minha opinião.
Meus pais queriam que eu tivesse por profissão a advocacia — ou qualquer outra que estivesse à altura do nome da família. Mas nunca dei importância a nome de família; queria, isto sim, descobrir os segredos do mundo, vivendo a vida que tinha escolhido para mim. Achava que meu futuro teria que ser decidido por mim e não pelos outros. E ainda acho.
Desculpem, pois nem me apresentei ainda. Meu nome é Robinson Crusoé. Nasci na cidade de Iorque, Inglaterra, em 1632. Vou contar alguns detalhes sobre minha família, para que vocês possam ter uma ideia da minha infância. Éramos três irmãos, sendo eu o mais moço. O mais velho tornou-se oficial do Exército inglês e encontrou a morte numa batalha contra os espanhóis, próximo a um porto ao Norte da França, chamado Dunquerque. O segundo era parecido comigo: também gostava de viajar. Mas teve menos sorte, pois desapareceu para sempre, numa de suas viagens.
Nasci na Inglaterra porque meu pai, um alemão natural de Bremen, resolveu emigrar para aquele país, estabelecendo-se inicialmente na cidade de Hull, como comerciante. Depois, apesar de ter obtido sucesso, decidiu sair de Hull e mudou-se então para Iorque, onde conheceu minha mãe, que pertencia à tradicional família Robinson. O nome Crusoé vem de meu pai: antes, seu sobrenome era Kreutznaer, um complicado nome alemão. Com a mudança para a Inglaterra, ele resolveu adaptá-lo ao idioma inglês. Assim surgiu Crusoé. E, em consequência, o nome que me deram.
É possível que vocês estejam um pouco cansados dessas histórias de família. Eu também cansei. E um dia fui passear em Hull e encontrei um amigo que estava de viagem para Londres. Navegava num barco de parentes e me ofereceu a passagem de graça. Pensei em meus pais e nos conselhos que ouvira contra minhas ideias de aventura. Sabia que jamais consentiriam que eu partisse. Eu teria, pois, que escolher: ou me sujeitaria à vontade deles ou levaria avante meu ousado ideal e assumiria a responsabilidade pelo que me pudesse suceder de bom e de mau.
Tinha então dezenove anos e essa era uma decisão muito importante para mim, pois envolvia um grande risco. As viagens que fiz não foram tranquilas como deverão ser, espero, no tempo em que viverem as pessoas para as quais escrevo. As embarcações eram rudimentares e frequentemente se desgovernavam, acabando por espatifar-se contra o que lhes aparecesse no caminho.
Mas risco ainda maior era romper com meus pais e partir sem um tostão no bolso. Contudo, "é preciso partir!" — pensei. — "Pássaro adulto é o que voa do ninho... — dizia a mim mesmo — ...em busca de seu próprio sustento."
Enfim, decidi-me. Em alguns segundos, às vezes, se decide uma vida. Seria melhor que meus pais soubessem por terceiros — quando eu já estivesse longe, no mar que sempre fora um sonho para mim.
No dia 1.º de setembro de 1651, vi as âncoras subirem e senti o sopro do vento que dava vida à vela do barco — e à minh'alma também. Vi o cais afastando-se e meu sonho transformando-se em realidade. Mas, quando um sonho se toma real, quase nunca corresponde, integralmente, às promessas da imaginação. Parece oferecer-nos muito pouco, em relação ao que esperávamos. Depois, porém, percebemos que, apesar dos pesares, sempre compensa transformar um sonho em realidade.
Foi duro suportar a primeira tempestade que presenciei a bordo. O mar estava furioso. Ondas gigantescas varriam o convés de lado a lado, quebrando mastros e rasgando velas, enquanto o vento parecia possuído por todos os demônios. Tive medo, sem dúvida, mas não o suficiente para desistir.
Suportando com valentia os transtornos da primeira viagem, cheguei a Londres e logo parti para a Guiné, de onde trouxe pó de ouro para vender na Inglaterra. Voltei depois em busca de mais ouro, mas um acontecimento terrível me aguardava: no meio do caminho, o barco foi atacado por piratas mouros, na costa de Marrocos, e toda a tripulação foi levada pelos corsários, como presa de guerra. Transformaram-nos em escravos. E assim vivi dois anos. Não lhes vou narrar o que me sucedeu nesses dois anos, pois quero chegar logo à aventura principal de minha vida, que creio ser a de maior interesse. Contudo, peço-lhes que imaginem o que é ser escravo de piratas, durante dois anos, em Marrocos.
Ao fim desse tempo, encontrei meios de escapar num barco improvisado, e acabei tendo a sorte de ser recolhido por um navio português, que me levou ao Brasil.
No Brasil juntei dinheiro e me tornei plantador de fumo, como vocês já sabem. Mas preferi ser fiel à minha necessidade de aventura. E embarquei novamente para a África.
Vai começar, enfim, a viagem que vocês esperam que eu conte.
Equipamos um barco de cento e vinte toneladas e deixamos o cais a 1.° de setembro de 1659. Eu tinha, então, vinte e sete anos.
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